19 de abril de 2018
Na entrevista desta semana da coluna A Voz do Autor, descobrimos os limites da manipulação genética com a ajuda do pesquisador e agrônomo Cosme Damião Cruz. Com 10 obras publicadas pela Editora UFV, o autor detalhou sobre como os estudos da Biometria, dentro da Genética, pode trazer grandes contribuições para o cultivo de alimentos e melhoria progressiva das safras.
Graduado em Agronomia, mestre e doutor em Genética e Melhoramento pela Universidade Federal de Viçosa, Cosme é professor titular do Departamento de Biologia Geral da UFV, onde, com larga experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Quantitativa, atua principalmente nos seguintes temas: Melhoramento Genético, Biometria e Estatística Genômica.
Durante a entrevista, o pesquisador também aproveitou para ressaltar outros avanços na pesquisa em Genética, além de mostrar como as novas tecnologias e o uso de softwares educacionais podem ajudar no ensino deste campo da Biologia.
O senhor é autor de uma vasta bibliografia na área da Genética, certamente um campo da Biologia que passou por grandes avanços a partir do final do século XX. Para que nosso público leitor entenda a dimensão desse progresso, quais foram as principais descobertas na área, recentemente, que mudaram a forma como compreendemos a Genética?
Avanços na área da Genética sempre despertaram interesse do público em geral, pois trata-se de uma parte da ciência que afeta o cidadão no seu dia a dia. Importantes questões cotidianas são tratadas e elucidadas pela genética. Por exemplo, muito se sabe sobre hereditariedade e muito se questiona sobre o controle genético de características em especial impactantes na saúde humana, como a obtenção de organismos geneticamente modificados, a contribuição do sequenciamento do genoma ou da tecnologia crisp, que tem potencialidade de remover falhas genéticas. Entretanto, minha abordagem, feita a seguir, destacará outra área da Genética, não tão popularizada, mas igualmente importante para todos nós na qualidade de produtores e consumidores de produtos da agropecuária.
Sou agrônomo e desde a minha formação me interessei pela genética, em especial por aquela aplicada ao melhoramento de plantas e animais. Sabemos dos grandes desafios da atualidade referentes ao aumento da demanda por alimentos, face ao aumento populacional, e a dificuldade na produção dos mesmos pelo custo e pela adversidade proporcionada pelas mudanças climáticas. Torna-se necessário produzir, sempre, maiores quantidades de alimentos com qualidade, baixo custo e em condições ambientais cada vez mais diferenciadas. O melhoramento genético sempre foi realizado por nossos antepassados que, com habilidade e arte, identificavam indivíduos de desempenho superiores e os repassavam, por meio de descendentes, em novos cultivos. Certamente que o sucesso desta estratégia dependia da capacidade daquele agricultor dedicado e competente, mas que, muitas vezes, adotava critérios subjetivos e imprecisos de escolha, tomando por base o que agradava aos olhos e ao paladar. Com o passar do tempo, o melhoramento genético tornou-se cada vez mais intensivo e incorporou a necessidade de sempre superar barreiras e atingir novos patamares de produção. Para isto foi necessário um trabalho intenso de formação de profissionais capazes de exercer a atividade de melhorista e atuarem em instituições públicas e privadas destinadas exclusivamente à atividade do melhoramento genético. Assim, a escolha de bons genótipos deixou de ser uma atividade amadora e tornou-se uma atividade profissional; deixou de ser exclusivamente uma atividade de arte e passou a ser uma ciência moldada nos princípios da experimentação, em que a observação era submetida à crítica da precisão e adequação para tomadas de decisão.
Com as leis de Mendel, descobrimos como os fatores responsáveis pelas características hereditárias eram passadas. Surgiu então uma área específica na Genética para tratar deste assunto, que foi a Genética Quantitativa; ou seja, aquela que trata dos caracteres quantitativos fortemente influenciados pelo ambiente. A partir daí, começamos a entender como os fatores genéticos e ambientais interagiam no controle de características complexas, como a produção de grãos ou frutos, e passamos a compreender a enorme dificuldade para o melhorista no processo de predição de valores genéticos reais de indivíduos competitivos pela ação do ambiente, a interação genótipo x ambiente e mesmo de alguns efeitos genéticos, denominados de dominância e epistasia, que nos impede de estabelecer uma boa relação entre um indivíduo (planta ou animal) de bom desempenho e a boa qualidade de seus gametas, elos biológicos repassados de uma geração para outra.
Podemos verificar que enorme contribuição foi dada pela Genética Quantitativa, gerando valiosas informações colocadas a serviço do melhorista para obter plantas e animais superiores com menor tempo e demanda de recursos físicos e financeiros. Todas estas informações eram obtidas de ensaios experimentais de elevado custo, conduzidos de forma criteriosa, nos quais sempre eram adotados e observados os critérios científicos da experimentação. A grande quantidade de dados e a necessidade de análises apropriadas destas informações passou a exigir uma nova área da ciência, o que significou a necessidade de um novo foco de conhecimento e um novo contingente de profissionais qualificados. Esta nova área denomina-se “Biometria”.
Dentro desta ótica, nossa equipe de trabalho percebeu que poderia dar contribuição à formação de profissionais na área de Biometria e proporcionar avanço científico com a proposição e aprimoramento de métodos quantitativos para análise de dados e interpretação de parâmetros genéticos. Assim, escrevemos uma dezena de livros que, associados a outras ações implementadas, tais como desenvolvimento de aplicativos e a criação de disciplinas acadêmicas, permitiram o êxito de nossa empreitada.
Hoje entendemos que Biometria é a área de Genética que realiza a análise, o processamento e a interpretação de fenômenos biológicos, a partir de dados geralmente obtidos de ensaios experimentais, para fins de orientações de estratégias e tomada de decisão para a otimização de recursos. Pela sua ação na análise de dados, a Biometria é responsável por apresentar e aprimorar modelos (no caso de procedimentos estatísticos) e arquiteturas (no caso de abordagens de inteligência computacional) para melhor processamento dos dados. Pela ação no processamento de dados, a Biometria aprofunda seus estudos em algoritmos computacionais eficazes que viabilizam o emprego dos métodos quantitativos e geram informações úteis para a interpretação de resultados. Pela ação interpretativa, a Biometria demanda conhecimento de todas as áreas biológicas e, em especial, da Genética Quantitativa, permitindo o entendimento dos fatores bióticos e abióticos que influenciam o fenômeno estudado e orientando a escolha de melhores estratégias e decisões com vistas à otimização da utilização de recursos físicos, financeiros e humanos.
Posso dizer que todas as minhas obras, que envolvem uma dezena de livros, se resumem a um único propósito que é consolidar e divulgar a Biometria Aplicada ao Melhoramento Genético. Nossa jornada em prol da Biometria teve como marco o livro “Modelos Biométricos Aplicados ao Melhoramento Genético”, volumes I e II, publicado no início da década de 1990, e que conta, segundo o Google Scholar, com quase 4000 citações no meio acadêmico. Nestas obras são oferecidos aos técnicos, pesquisadores, discentes e docentes conhecimentos adicionais sobre várias metodologias utilizáveis em importantes temas que influem no melhoramento genético em suas diferentes etapas. Sempre tivemos por objetivo apresentar princípios básicos que permitam absorver os conhecimentos fundamentais sobre as técnicas e, sempre que possível, a preocupação de fazer comparações com técnicas alternativas e aplicações de forma a tornar o assunto mais claro e realçar a potencialidade de cada método biométrico. Sou autor do software livre e gratuito “Programa genes” (https://www.facebook.com/GenesNews/), associado a publicações em quatro volumes, que é um aplicativo para análise e processamento de dados segundo variados modelos biométricos que constituem ferramenta computacional indispensável para o melhorista de plantas e animais nos tempos atuais.
Algumas de suas obras são didáticas, voltadas para a introdução do ensino da Genética, e de outros temas da área, na graduação. Quais os principais desafios nessa etapa de apresentar este campo para os alunos iniciantes? E como começar a introduzir esta disciplina ainda no Ensino Médio?
O ensino de Genética não tem sido tarefa fácil, talvez porque a Genética abranja áreas diversas, como, por exemplo, as exatas e biológicas, pela necessidade de associar princípios probabilísticos e conceitos fundamentais de formação de gametas para predições de descendências. Mesmo entre os geneticistas, há grande diversidade de especialização, destacando-se as áreas de citogenética, mutagênese, evolução, genética molecular, quantitativa e de populações. Atualmente há disponibilidade de literatura ampla, a maioria bem ilustrada e com inúmeros exemplos em qualquer espécie de trabalho e, de forma mais abrangente, na espécie humana. Todos estes recursos têm atraído leitores e contribuído para que o conhecimento seja repassado aos iniciantes na área. Entretanto, a abordagem tradicional em livros e artigos ainda é feita de forma estática e pouco interativa. É fácil perceber a difícil tarefa, para os educadores, de descrever processos dinâmicos como, por exemplo, a divisão celular ou a síntese proteica, em textos ou até mesmo em recursos audiovisuais convencionais utilizados pelo professor na sala de aula. Apesar do mundo contemporâneo já disponibilizar recursos tecnológicos suficientes, pouco tem sido incorporado em atividades pedagógicas capazes de contribuir para a melhor comunicação, difusão de informação, produção do conhecimento.
Dentro deste contexto, nosso grupo de pesquisa procurou contribuir de uma forma diferenciada para o ensino da Genética, por meio da publicação de um livro, no formato convencional (“Genética – Fundamentos”), mas agregado a um aplicativo computacional de ensino (“Genética – GBOL: Software para ensino e aprendizagem de Genética”). O programa GBOL (www.ufv.br/dbg/gbol/gbol.htm) tem a finalidade de abordar os principais temas de Genética Básica, fornecendo aos usuários conhecimentos fundamentais e ferramentas para o ensino dinâmico e interativo da Genética. Desta forma, as obras constituem contribuições efetivas para promover o ensino de Genética, incluindo discentes e docentes que atuam no 2º grau e Ensino médio, por meio de informações sobre o tema e sistemas de autoavaliação do aprendizado. No GBOL há ilustrações, fotos, animações e situações simuladas e aleatorizadas que permitem superar muitos dos entraves do ensino e aprendizagem de temas de Genética, tornando esta atividade simples, agradável e atraente.
Por fim, quais são as próximas barreiras a serem rompidas pela Genética? Quais outras pesquisas estão em vista no momento para promover novos avanços?
A Genética está em contínua evolução, superando novos desafios e dando respostas aos anseios da população relativos aos mais diferentes temas, enfatizando alguns relativos à hereditariedade e ao controle gênico de características importantes. Na área biométrica isto não é diferente.
Com o advento das técnicas modernas da biologia molecular, surgiram diversos métodos de detecção de polimorfismo genético diretamente ao nível de DNA e, a partir daí, na década de 1980, deu-se início a um novo ciclo de geração de conhecimento, de adequação de modelos e desenvolvimento de algoritmos apropriados do processamento de dados, tendo em vista a necessidade de agregação destes dados aos valores, de natureza fenotípica, tradicionalmente mensurados nas plantas e animais sob seleção. Mais recentemente, marcadores do tipo SNP (“Single Nucleotide Polymorphism”) permitiram detectar um número de informações em novo patamar, chegando, como referência, a 10 milhões de variações no genoma humano e passaram a constituir os bancos de trabalho, que pela dimensionalidade e complexidade, são denominados de big data. Estas novas informações demandaram novas pesquisas e esforço científico e tiveram, como consequência, o avanço tanto em atividade de melhoramento, com informações de mapeamento genético e detecção dos genes controladores das características quantitativas em plantas e animais, quanto em análise de dinâmica de populações com estudos de diversidade, sistemas regulares de acasalamento, graus de parentescos, dentre outros. Nosso grupo de pesquisa acompanhou a tendência mundial e atuou promovendo avanços utilizando a mesma estratégia anterior, ou seja: produção de novos livros, abordando estes temas atuais de forma que as análises biométricas também contemplassem os estudos genômicos; a criação de disciplinas; e, principalmente, o desenvolvimento de aplicativos computacionais adaptados a esta realidade. Algumas contribuições nesta área foram registradas nas obras: “Estatística Genômica”, “Genômica Aplicada” e “Biometria Aplicada ao Estudo da Diversidade Genética”.
Nos tempos atuais as barreiras continuam, na área biométrica, tendo a mesma origem. Ou seja, a disponibilidade de grande volume de dados e a necessidade de análise e interpretação de forma criteriosa. Estes dados são, agora, também resultantes do acúmulo de informações depositadas em bancos históricos, da agregação e sobreposição de informações de natureza diversa envolvendo dados de materiais genéticos, do clima, do solo etc., pela globalização das informações e pela captação de novos dados, em especial pela aquisição e interpretação de imagens.
Há necessidade premente de novos avanços, agora pela fundamentação da genética biométrica, no contexto do processamento de dados, em abordagens da inteligência computacional e aprendizado de máquina, pela associação com as áreas emergentes no melhoramento genético com destaque à fenômica, e pelo aprofundamento na questão na manipulação das big datas.
Conheça as obras do autor publicadas pela Editora UFV Editoraufv Viçosa: https://goo.gl/Qfamv1
(Fonte: Matéria Publicada pela ABEU em 16/04/2018 )